Corria o ano de 1953, numa manhã morna do mês de Maio. Ficou frente ao enorme portão da maior quinta da terra e foi bem avisada, “Ficas aqui, o Sr. Casimiro há-de vir com o leite e leva-te. Portas-te bem, não respondas nem refilas, faz o que te mandam e só falas se te mandarem falar. Ouviste?! Não chores, palerma! E se ouço queixas de ti ainda levas, comes uma sova que nem sabes de onde és. Ouviste?!”
Ela ouvia, mas não entendia muito bem. Nove anos, apenas nove anos e hoje não ia à escola. Ia trabalhar para casa dos senhores e lá ia ficar. Havia de ter folga um fim-de-semana por mês, para levar o dinheiro do mês para os pais. Não entendia.
O Sr. Casimiro passou e levou-a na carroça, puxada por um belo Lusitano castanho. Transportava as bilhas do leite, que mais tarde ela própria havia de mugir e às escondidas beber uma caneca de leite, ainda morninho a sair da teta. A carroça subia pela estrada de terra batida, ladeada por cheirosas macieiras e pereiras. Ao fundo a imponente casa senhorial, a casa dos senhores Pestanas. Os Pestanas, conhecidos pelas fazendas, a casa de Cascais, os cavalos, as vacas, animais e hortas afins.
Quando entrou pelas traseiras, na copa da cozinha, ficou parada a observar o tamanho de tudo aquilo, nunca tinha visto nada assim. Uma enorme mesa de carvalho com doze cadeiras, armários envidraçados cheios de loiças, por todas as paredes. Um enorme tapete de sisal que seguia e entrava na cozinha onde numa enorme lareira, ardiam enormes cavacos de oliveira. Completamente absorvida pela grandeza e beleza de tal cenário, não reparou que tinha mesmo ao seu lado a Sr.ª Domicilia, a governanta da casa. Depois de lhe dar um cascudo da cabeça disse, “Então rapariga?! Dormes ou quê? Dizes bom-dia sempre que chegar alguém perto de ti, ou não tens educação?” Estremeceu ao ouvir a voz grossa e pesada da governanta, que de resto era igual ao físico, grossa e pesada. Disse bom dia e foi logo encaminhada para junto do fogão, para que mexesse o tacho com marmelada “atreve-te a deixar queimar o doce e nem sabes de onde és”. Logo lhe leu a sentença “tens a sentença lida, vens ajudar na lida da casa, da fazenda e tomar conta dos meninos. Dormes naquele quarto e de manhã, às 5horas, vais mugir as vacas com o Casimiro. Ouviste?! Fazes o que te mandam e não refilas. Ouviste?!”
Ela ouvia e começava a entender…