2006-04-05

Estou a ler o Terceiro Livro de Crónicas de António Lobo Antunes, estou deliciada. Estava ontem a tomar café com o meu marido que disse, “hoje dá uma entrevista do Antunes, na dois”, e eu disse “tenho que ver, estou a gostar tanto de livro, ele ontem estava a falar…” e o meu marido riu, claro, porque tinha utilizado o verbo “falar” para descrever o que tinha lido na noite anterior!
Cá fica um pouco daquilo que "o Antunes" fala comigo, à noite, na cama…
“Só vi o Augusto Abelaira uma vez. Mário Soares, primeiro-ministro, tinha convidado quinze ou vinte escritores para tratar da mudança de Fernando Pessoa para os Jerónimos. Eu estava a começar a publicar e, de uma assentada, deparei-me com as celebridades em peso. Conhecia-as das fotografias dos livros e achei-as muito velhas e muito feias, desprovidas da dignidade majestosa das contracapas. Lembro-me de ter pensado – Se fosse mulher não queria um destes caramelos nem de borla e a obra de quase todos, que já não tinha em grande conta, desceu, dentro de mim, um degrau invisível. Os sofás da residência oficial eram imensos e moles. A certa altura, num deles, sentavam-se José Hermano Saraiva, Fernando Namora e Abelaira. Como eram pequeninos e as almofadas profundas só lhes via as cabecinhas, como maçãs poisadas numa prateleira, e os pés, sem alcançarem o chão, a dar a dar. Gaspar Simões tinha mais brilhantina que cabelo, conforme eu suspeitava, e Natália Correia, com uma boquilha do tamanho de uma muleta, varria a sala em gestos de Dama das Camélias. O seu peso ajudava a não levantar voo. Soprei para o Zé Cardoso Pires - Que colecção, meu Deus"

1 comentário:

Elvira disse...

O lobo Antunes, um grande grande grande escritor, de facto.

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