2007-11-15

Nada de Especial

"(...) numa tacinha, achamos a nossa vida de hoje e qual o sentido da nossa vida de hoje, o que fazemos com ela, dias atrás de dias, o supermercado, o jantar no restaurante aos domingos, a maçada das crianças às vezes e não era bem isto que nos apetecia, não era bem isto o que tínhamos desejado, falta qualquer coisa, onde é que errámos, o que falhámos, não somos infelizes mas também não temos o que secretamente ansiávamos, os anos vão passando e não temos o que secretamente ansiávamos,de vez em quando momentos tão vazios, de vez em quando, mesmo no meio dos outros, uma solidão tão grande, um desamparo, uma sensação de queda, esta dificuldade em respirar, porque a mobília sufoca, que vem e desaparece e volta,de vez em quando, sem motivo, vontade de chorar, não lágrimas grandes, não soluços, uma coisa vaga, uma pergunta sem resposta, caras familiares que se tornam estranhas, se te abraçar continuo sozinho, o que se passa comigo, o que se passa connosco, o relógio prossegue monótono, acusador, implacável, os objectos quietinhos sem nos ajudarem.Nada nos ajuda, é tarde, tentamos conversar e é tarde, fazemos amor e é tarde apesar de termos feito amor na esperança que não seja tarde e depois, em lugar do prazer, ou misturado com o prazer, ou mais forte que o prazer, uma espécie de amargura que persiste, se não dilui, persiste, o sem resposta aumenta,um imenso, que horror, um que nos preenche inteiros, se nos pegassem ao colo, fugissem connosco, nos garantissem e pudéssemos acreditar que não é tarde ainda, tranquilizar-nos afirmando embora cientes que mentimos e tornar a mentira verdade,que outra coisa fizemos para além de tentarmos transformar as mentiras em verdades, não há ninguém mais crédulo que um desesperado."
"Nada de especial", de António Lobo Antunes in Revista "Visão", 13 de Novembro de 2007

1 comentário:

Unknown disse...

ola

prima querida... esse homem as vezes tem o dom de ler o meu eu mais intimo, mas recondito, mais escondido... aquele que as vezes eu escondo de mim mesma...

e hoje... hoje reli-me neste "teu" texto... as vezes é complicado... temos tudo e ao mesmo tempo não temos nada....

obrigada por este texto maravilhoso...

jinhos mto mto karinhosos hoje com saudades

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